Nossas crianças
Que, tomara cresçam;
que, felizes cresçam;
que, vivendo cresçam até ficarem velhinhas;
que, velhinhas tomara morram de felicidade!
Quando o assunto é criança, é muito comum ouvirmos as expressões: “Elas são encantadoras!”, “Quem não as adora?”... São manifestações afetivas da nossa sociedade para se referirem àquelas crianças do nosso convívio próximo, de nossa família ou de nosso círculo de amizade.
Mas, a realidade mostra que não são todas que achamos bonitinhas, que temos receio de colocar a mão em algumas, que temos medo de sua espontaneidade, da língua afiada e de suas reações que podem constranger. Ainda assim, em geral, elas são bem aceitas!
No entanto, minha atenção me chama para outras afirmações muito comuns, agora sobre os idosos: "eles são lindos", "os vovozinhos são uma graça", "eles são muito fofos"...
Aqui, a questão é mais profunda, com menos brilho do que a criança e do que o adulto, o idoso tende a invisibilidade, vai se apagando com o tempo, ele não gera socialmente expectativa de futuro, ele é aquilo que vemos, resultado de uma vida, problema solucionado, linha de chegada, espelho que nos assusta por futuro incerto do Eu.
Não produzem, não votam... Muitas vezes, por cerceamento dos seus direitos, são afastados dos sonhos, da esperança, relegados gradativamente aos cômodos dos fundos; são retirados de suas casas, isso quando não a perdem para a realidade financeira, para o desamparo social ou por inadaptação ao mundo moderno que os despejam sem cerimônia.
Vivemos um mundo de extremos…
Quando ilhados nesse mundinho virtual, a alienação nos leva a acreditar que todos estamos conectados, que o Instagram, o Facebook e as outras redes sociais são o retrato familiar do mundo feliz; quando, na realidade, em nossas ruas urbanizadas, existem como portais, mágicas passagens para becos, vielas, verdadeiros guetos, onde Além de crianças e adultos, muitos idosos se protegem como podem da hostilidade do mundo real e da quase indigência.
As grandes cidades são cruéis não é mesmo?
Eu responderia, se perguntado, que, sinceramente, não sei!
Sei (e somente um pouco) da realidade do mundo onde vivo e convivo: uma cidade de aproximadamente duzentos mil moradores que, se não fosse a ação de duas instituições privadas apoiadas pela comunidade, que atenuam e fazem um pouco, a situação dos idosos seria ainda mais caótica do que é.
Os cientistas sociais nos dizem que esta indiferença e cegueira em relação aos idosos se deve, em parte, à vida moderna, imediatista, consumista, isolacionista... e a uma certa fuga, rejeição e incerteza quanto ao nosso próprio futuro.
O tempo (ou sua falta) volta aqui a ser um elemento fundamental para ajudar a justificar as incongruências diante da nossa postura em relação ao idoso; ao mesmo tempo que declaramos ser um absurdo o que é crua realidade, nos desculpamos e acreditamos impossibilitados de mudar o estado vigente.
Minha mãe, há duas semanas, vem me convidando, insistentemente, para ir almoçar com ela. Ontem mesmo, disse a ela que iria arrumar um tempo, que estou numa correria danada. Apesar de eu ir quase todos os dias a casa dela tomar um café, ela quer que eu vá almoçar, de preferência sem o celular.
Durante o nosso último café da tarde, ela ameaçou tomar e até quebrar o meu celular para ter minha atenção e, diante da minha defesa ao telefone, asseverou:
- Gente, o que se leva daqui são os momentos bons, é quando estamos juntos o que vale!
Tive que pensar!
E resolvi compartilhar com vocês uma realidade com a qual convivo todos os dias por estar no Lar Abrigo Amor a Jesus (LAJE).
As expectativas e os prognósticos são de que vivamos cada vez mais.
Como vamos lidar com os idosos que seremos?
Que mundo vamos oferecer e ou desfrutar na velhice?
Como vamos enfrentar esse desafio que cresce dia a dia?
Em geral, o idoso sempre sofreu de abandono. Esse é um fenômeno histórico, social relatado na música, na literatura, nos registros em geral da nossa caminhada, situação que vem se agravando e tende a um colapso se não falarmos do problema na intenção de buscar soluções rápidas.
A janela ¨virtual¨ só tem agravado as relações, distanciando-nos uns dos outros, mesmo quando sob o mesmo teto, levando-nos a acreditar que estamos todos conectados, que todos temos acesso, que todos sabem como desfrutar e conviver nesse mundo novo, que pode nos levar a acreditar que seja perfeito.
Existe um grande abismo entre a urbanização e a humanização, outro grave entre o que eu vejo e o que eu prefiro não ver ou não vejo mesmo por incapacidade momentânea, distanciamento, insensibilidade ao assunto que é grave e vem piorando a cada dia.
Segunda-feira vou almoçar com minha mãe!
"Quando o amor pedir um pingo da sua atenção, por favor, chova!"
Rogério Alves.
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